Os sem-cacimba

Os sem-cacimba

NO TEMPO DE EU MENINO

17/12/2020 5:35PM

Sinopse do Episódio "Os sem-cacimba"

Só depois de muitos anos, já adolescente, me dei conta. A pobreza não nos permitira ser proprietários nem mesmo de uma cacimba. Nem das mais simples. Sim, porque aqueles empreendimentos eram reveladores não só de flagrantes diferenças de classe social como também de famílias que, como se dizia antigamente, eram remediadas. Os vizinhos da esquerda, por exemplo, se enquadravam nessa categoria. Além de uma cacimba de alto padrão, mantinham como patrimônio, em uma das três janelas da casa, um quiosque onde vendiam frutas, verduras e, sobretudo, bananas das mais diversas espécies e apetitosas. Na minha avaliação de menino, comparativamente à condição em que vivíamos em casa, aqueles vizinhos ostentavam um padrão de vida bem superior. Hoje, já tão distante daquele tempo, revivo na memória o quanto me incomodava, o quanto achava uma ostentação e uma abusiva extravagância do meu colega de escola, filho do proprietário daquele pequeno império, escolher, dentre as tantas palmas expostas à venda, uma banana, descascá-la com enorme lentidão, num ritual que parecia me envolver como espectador, morder um pedaço de sua extremidade e cuspi-lo longe, num gesto de soberba. Fosse eu ou um de meus irmãos, só deixaríamos escapar a casca daquela preciosidade! No fundo, esse desejo se misturava a uma inveja danada daquele vizinho rico. (...)

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