Ouvir "Crônica 04: Terminal de nós"
Sinopse do Episódio
TERMINAL DE NÓS
Thiago Lucarini
Na parada, à espera, observo aqueles cotidianamente iguais atados à hora símile, mesmo uniforme, mesma expectativa de aguardo. Dependendo da graça maior, logo o ônibus chega, embarcamos rumo a lugares diferentes, porém com um pedaço de trajeto semelhante, estrada da vida. Dentro do veículo de inseguranças e desconforto noto outros rotineiros indo para onde não sei, mas que subversivamente imagino. Dou nomes, vidas completas, penso que sonham apesar da indiferença que mutuamente cultivamos, são desconhecidos quase afetivos apesar de nenhuma palavra trocada, só empurrão e odores, muitos odores: mijo, merda, fumo, ranço, cachaça, bafo, perfume barato, são estes puros aspectos da sinceridade humana enlatada às seis da manhã, meras agressões simbólicas. Sem janelas abertas sem iluminação cresce a claustrofobia das emoções amanhecidas, repulsa e simpatia, desolação. Pedante caminho, sono, desgaste antes do abate da labuta, uma luta que jamais será vencida, pressa, prensa de carne, presos, tantos pedindo aos gritos, outros mudos, nenhum ganhando. Somos mundos em forçado choque de aceitação pela necessidade. Sentados estão os mais espertos e rápidos, os primeiros do ato de embarque, ficam de pé aqueles sem oportunidade, mas igualmente cansados, operários, sustentação da parede interna da barriga deste rastejante verme público. Num delírio lúdico e otimista, o ônibus longe do asco, é semente carente de sacolejo e aperto, se porventura, algum broto some, pergunto-me se este se mudou, perdeu o horário ou apenas contrariou a casca de ferro e germinou transporte próprio. Com a vaga aberta surge outro alheio das sombras, somos todos suspeitos, e fica a dúvida se este será mais um repetitivo sujeito sem expressão ou ladrão extrativista do quinto salarial ou celulares da lotação. Sigo jornada diária, a vida adiante da janela é cheia de promessas vazias. Ali, faço amigos que nunca me conhecerão, desejo alguns, tenho aversão a outros e sinto falta de tantos, vamos indo todos embalados ao terminal de nós, estação final da viagem, mas não do eu, pois este só se encerrará na lápide. Além das imaginárias ligações estabelecidas, cada parada é sonho de descida, sonho de ninguém é a subida, todavia a boca do ônibus tem fome contínua, sua barriga jamais está suficientemente cheia mesmo transbordando de trabalhadores. Ao desembarcar, de tudo esqueço, na manhã seguinte é recomeço, refaço tudo outra vez, acalentando a fé de não ser digerido eternamente por este verme ou de ser milagroso rebento em fuga. Cíclico.
Thiago Lucarini
Na parada, à espera, observo aqueles cotidianamente iguais atados à hora símile, mesmo uniforme, mesma expectativa de aguardo. Dependendo da graça maior, logo o ônibus chega, embarcamos rumo a lugares diferentes, porém com um pedaço de trajeto semelhante, estrada da vida. Dentro do veículo de inseguranças e desconforto noto outros rotineiros indo para onde não sei, mas que subversivamente imagino. Dou nomes, vidas completas, penso que sonham apesar da indiferença que mutuamente cultivamos, são desconhecidos quase afetivos apesar de nenhuma palavra trocada, só empurrão e odores, muitos odores: mijo, merda, fumo, ranço, cachaça, bafo, perfume barato, são estes puros aspectos da sinceridade humana enlatada às seis da manhã, meras agressões simbólicas. Sem janelas abertas sem iluminação cresce a claustrofobia das emoções amanhecidas, repulsa e simpatia, desolação. Pedante caminho, sono, desgaste antes do abate da labuta, uma luta que jamais será vencida, pressa, prensa de carne, presos, tantos pedindo aos gritos, outros mudos, nenhum ganhando. Somos mundos em forçado choque de aceitação pela necessidade. Sentados estão os mais espertos e rápidos, os primeiros do ato de embarque, ficam de pé aqueles sem oportunidade, mas igualmente cansados, operários, sustentação da parede interna da barriga deste rastejante verme público. Num delírio lúdico e otimista, o ônibus longe do asco, é semente carente de sacolejo e aperto, se porventura, algum broto some, pergunto-me se este se mudou, perdeu o horário ou apenas contrariou a casca de ferro e germinou transporte próprio. Com a vaga aberta surge outro alheio das sombras, somos todos suspeitos, e fica a dúvida se este será mais um repetitivo sujeito sem expressão ou ladrão extrativista do quinto salarial ou celulares da lotação. Sigo jornada diária, a vida adiante da janela é cheia de promessas vazias. Ali, faço amigos que nunca me conhecerão, desejo alguns, tenho aversão a outros e sinto falta de tantos, vamos indo todos embalados ao terminal de nós, estação final da viagem, mas não do eu, pois este só se encerrará na lápide. Além das imaginárias ligações estabelecidas, cada parada é sonho de descida, sonho de ninguém é a subida, todavia a boca do ônibus tem fome contínua, sua barriga jamais está suficientemente cheia mesmo transbordando de trabalhadores. Ao desembarcar, de tudo esqueço, na manhã seguinte é recomeço, refaço tudo outra vez, acalentando a fé de não ser digerido eternamente por este verme ou de ser milagroso rebento em fuga. Cíclico.
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