Papo Lendário #229 – Os Povos Samis

05/12/2021 1h 9min Episodio 229
Papo Lendário #229 – Os Povos Samis

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Sinopse do Episódio

Nesse episódio do Papo Lendário, Leonardo entrevista Victor Hugo Sampaio Alves, sobre a cultura, religião e mitologia dos povos Samis.

Conheça quem são esses povos residentes no extremo norte da Europa. Aqui conversamos sobre o problema da visão do estrangeiro sobre esses povos indigenas e como podemos comparar tais casos com eventos semelhantes aqui em nossa região.

O problema do apagamento cultural e como isso reflete em existir poucas referências sobre seus mitos, panteões, costumes, línguas, etc. Resultado de uma visão xenofóbica e colonialista.




-- EQUIPE --

Pauta, edição: Leonardo
Locução da abertura: Ira Croft
Host: Leonardo
Participante: Victor Hugo Sampaio Alves


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Contatos do convidado:

Academia.edu


-- Agradecimentos aos Apoiadores --

Alan Franco
Alexandre Iombriller Chagas
Ana Lúcia Merege Correia
André Victor Dias dos Santos
Antunes Thiago
Bruno Doyle
Bruno Gouvea Santos
Clecius Alexandre Duran
Eder Cardoso Santana
Eduardo Oliveira
Jeankamke
Jonathan Souza de Oliveira
Leila Pereira Minetto
Marcia Regina M. Garcia
Mateus Seenem Tavares
Mayra
Paulo Diovani Goncalves
Paulo Peiker
Rafa Mello
Rafael Resca Borges
Rodrigo Santana
Rosenilda Azevedo
Talita Kelly Martinez
Willian Rochadel

-- Transcrição realizada por Amanda Barreiro (@manda_barreiro) --

[00:00:00]
[Vinheta de abertura]: Você está ouvindo Papo Lendário, podcast de mitologias do projeto Mitografias. Quer conhecer sobre mitos, lendas, folclore e muito mais? Acesse: mitografias.com.br.
[Trilha sonora]
Leonardo: Muito bem, ouvinte. O episódio de hoje é voltado para uma cultura específica e seus mitos, mas, que apesar de se localizar na Europa, nós não temos tanta informação assim. Hoje, então, conversaremos sobre os povos Samis, e, por isso, o convidado de hoje é o Victor, que já tem pesquisas e conteúdo sobre o tema. Victor, obrigado pela presença, e, antes de entrarmos no tema, se apresente para o nosso ouvinte.
Victor: Oi, Leonardo, boa noite. Boa noite para todo mundo que está acompanhando a gente, escutando. Queria agradecer o espaço, principalmente para a gente abordar um pouquinho da história, da cultura e dos mitos desse povo que é tão pouco estudado, é tão pouco abordado aqui no Brasil. Muita gente nunca ouviu falar. É um grande prazer estar aqui. Bem, eu sou doutorando em Ciência das Religiões pela UFPB - Universidade Federal da Paraíba, eu também fiz o meu mestrado lá, também em Ciência das Religiões. Na verdade, eu não estudo única e exclusivamente os povos samis. Comecei a estudar sobre eles durante o mestrado, mas em uma conjuntura comparativa. Eu trabalho com a perspectiva da mitologia comparada, e aí eu estudava especificamente deuses do trovão, e eu estudei os deuses samis do trovão comparando-os com deuses escandinavos, como Thor, e finlandeses. Então ali começou a aflorar o interesse por essa cultura, primeiro porque era muito relevante para o que eu estava estudando, para o que eu estava me propondo a discutir. Sempre aquela história: você, quando começa a estudar um mito ou a mitologia de um povo, você não pode parar por ali, então você sempre precisa ver o contexto histórico, social, uma questão linguística, étnica, e tudo isso vai influenciar nas conclusões, nas perguntas que você levanta e na forma como você quer respondê-las. E assim a gente vai fazendo pesquisa. No doutorado, eu continuo na perspectiva comparativa entre esses povos escandinavos, finlandeses e os samis, mas não é mais focado em divindades do trovão. Na verdade, é uma pesquisa comparativa em torno da questão da magia xamânica e da visão de mundo xamânica que esses povos ali do norte europeu compartilhavam em certa medida. Então isso é um pouquinho do meu histórico, lugar de onde eu venho. Meus interesses atuais, como eu disse, são xamanismo, magia, algumas questões relacionadas a divindades específicas e também é importante aqui frisar que eu pertenço a dois grupos de estudo, o NEVE - o Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos, e o CIMEEP, que é o Centro Internacional e Multidisciplinar de Estudos Épicos. Então todos os estudos que eu desenvolvo são fruto de uma troca que eu tenho com os membros desses grupos, e muita ajuda, enfim, muito compartilhar, então sempre me coloco como um devedor do que esses grupos me oferecem.
Leonardo: Bom, então vamos já falar aí do tema de hoje. Algo que você falou é interessante, de estudar a mitologia ali, mas também estudar a cultura, que é o que a gente vai pôr aí hoje, principalmente acho que dos samis não tem como separar isso, por ser algo bem desconhecido, principalmente aqui no Brasil. Acho que é bem importante quando estudar, quando falar das crenças, do panteão e tudo, é legal também falar da cultura, de quem realmente eles são. Então acho que é legal a gente começar por isso: quem são os povos samis?
Victor: Vamos lá. Bem, os povos samis são povos indígenas, povos originários, tradicionais, enfim, que habitam a região do extremo-norte europeu. Claro que hoje em dia tem povos ou pessoas de ascendência sami localizados em outros lugares, nos Estados Unidos, Canadá, mais ao sul da Europa etc., mas o local, o locus deles mesmo é essa região do extremo-norte europeu. Eles não têm um território, uma nação, então é difícil a gente precisar uma localização específica. Grosso modo, os povos samis estão espalhados por uma região ali que vai do norte da Noruega, Suécia, Finlândia, até um pouco de uma parte do extremo-norte da Rússia, então em cada um desses países eles habitam o extremo-norte, então o extremo-norte da Noruega, Suécia, Finlândia etc., embora, como eu disse anteriormente, hoje em dia, é claro, eles habitam grandes cidades, grandes centros, capitais desses locais, mas, quando a gente pensa, por exemplo, uma Idade Média ou até o começo da Idade Moderna, eles estavam mais ao norte. O que é interessante a gente falar? Primeiro, a gente estipular aqui uma divisão linguística, porque os samis, ao contrário de diversos outros povos, principalmente da Europa, não são dessa grande família linguística muito famosa, que é o indo-europeu. Então, por exemplo, os vizinhos dos samis, os escandinavos, que a gente conhece por vikings, eram povos de um ramo linguístico dentro do germânico, e o germânico, por sua vez, estava dentro dessa família linguística, que era o indo-europeu, e o indo-europeu também englobava o ramo eslavo, celta, indiano, persa, enfim, greco-romano. Então são muitas famílias, muitos troncos linguísticos dentro do indo-europeu. Os samis pertencem a uma família linguística que é chamada de urálico. Urálico é o nome que a gente dá para uma série de povos que se acredita que eles tenham se originado nos Montes Urais e dali se disseminaram principalmente para o norte da Eurásia. Então por isso que a gente chama urálicos - vem do nome dos Montes Urais. Então os samis estão dentro dessa família linguística e dentro de um sub-ramo que se chama fino-úgrico e que inclui diversos outros povos. Então, só para a gente situar, isso significa o quê? Por que é importante a gente saber disso? Primeiro por uma questão de heranças culturais, então sempre que a gente estuda mitologia de um povo, principalmente de uma perspectiva comparativa, a gente pode estudar o que ali é uma provável herança cultural. Então, por exemplo, uma herança cultural germânica, tipicamente germânica, no caso dos vikings, tipicamente indo-europeia. No caso dos samis, o que eles podem ter tido de uma herança cultural fino-úgrica, urálica? E aí, dentro disso, encontra-se - a gente vai abordar um pouquinho depois -, por exemplo, a questão do xamanismo. Essa é uma herança cultural dos povos urálicos. E, em segundo lugar, é interessante a gente saber isso para a gente imaginar como eram essas interações, então, quando a gente pensa, por exemplo, o norte europeu na Idade Média, você tem povos em contato, intercâmbio, não só violento, não é só guerra, mas muito comércio, muita relação conjugal, e esses povos falam línguas completamente incompreensíveis de um para o outro. Então é muito interessante, porque isso ressalta para a gente como que pode haver uma troca, um trânsito de símbolos mitológicos, religiosos, espirituais, mesmo sem que haja uma compreensão fluente, transparente linguisticamente. Então isso está nesses encontros entre os samis e os vikings, por exemplo, na cultura material: dois povos se encontram, de repente ali há uma troca de moeda ou de algum tipo de material e eles se interessam por um símbolo que está ali, aquele símbolo que é uma divindade do povo com quem você manteve contato. Então isso sempre é muito interessante, porque mostra para a gente como os símbolos religiosos podem ser transmitidos para além da língua. E, para a gente ter uma ideia, os idiomas urálicos são tão diferentes dos idiomas indo-europeus que a gente, hoje - em tese, claro, isso é uma teoria -, aqui no Brasil, fala uma língua indo-europeia, então a gente falaria um idioma mais próximo do que um viking falava, por exemplo, do que um sami falava em relação a um viking, porque nós dois falamos idiomas indo-europeus, e um sami está em um ramo linguístico completamente distinto. Então isso é muito interessante. Bem, essa região por onde os samis estavam espalhados, a gente costuma chamar de Sápmi. Então, como eu disse, Sápmi não é um país, não é um território específico, com fronteiras delimitadas, mas é o termo que a gente usa para denotar essa localidade onde vivem vários desses povos samis. Essa região toda, como eu disse, desde a Noruega até a Rússia, pelo norte, é denominada Sápmi. E o que é também muito importante, de novo, por conta de uma perspectiva comparativa, é a gente frisar que os samis são pertencentes à toda área circumpolar. A área circumpolar é justamente essa área do extremo norte, que é uma área, como o nome fala, polar, que engloba, então, desde a Sibéria até o outro lado ali do mundo, até,