Ouvir "Uma colher de chá de mel | T3 Ep17"
Sinopse do Episódio
Reabriram os teatros, os cafés, os restaurantes, anunciou-se a época balnear, caíram as restrições para as viagens e o teletrabalho vai deixar de ser obrigatório. A par e passo regressamos a uma certa normalidade, dizem, mas que normalidade? A de tirar férias num país mais barato para fugirmos à porcaria de vida ou de clima que temos em casa, como provavelmente o confirmarão muitos dos 20 000 britânicos que aterraram esta semana em Faro?A normalidade de bombardear indiscriminadamente uma faixa de 362km2 onde vivem 12 milhões de habitantes que não podem fugir para lado nenhum?A normalidade de poder fechar os olhos e mantermo-nos quietinhos enquanto continuamos a falar em nome da Humanidade, em nome de um Holocausto, em nome de uma Europa moral e filosófica?A normalidade de poder comprar um bilhete para um espetáculo de teatro a qualquer hora e não o fazer, porque não se tem tempo, porque não se tem vontade, porque fica para a próxima, porque se esqueceu, porque se queria tanto ir e não se conseguiu?Esta semana brindei, por cortesia, com um cálice do Porto na companhia do livreiro da Unicepe, o grande combatente antifascista Rui Vaz Pinto. Enquanto arrumávamos as mesas de um lançamento de um livro agora terminado, Vaz Pinto comentou-me: Não vai deixar esta gota de cálice no copo, pois não? Sabe que uma videira vai buscar água a 15 metros de profundidade para se alimentar, não sabe? É um crime deitar vinho fora. E eu pensei. Sim, eu sei. Sei que uma colher de chá de mel é o equivalente a uma vida inteira de trabalho de uma abelha. Sei que para ter uma aliança de ouro num dedo, pelo menos 9 homens tiveram de escavar duas toneladas de pedra, sei que para alimentar gado bovino temos de plantar quilómetros e quilómetros de soja em campos que poderiam ser verdes ou plantados com outras culturas. Sei que cada peça que estreia tem por trás anos de treino, meses de ensaios, muito suor e muita lágrima.O que sentimos quando sentimos falta da “normalidade”? O que queremos quando a queremos de volta?Será que queremos muito regressar a uma dita normalidade só para a termos? Para sermos detentores dessa normalidade? Usufruirmos dela como muito bem a entendermos. Incluindo não a usando, deitando-a fora? Desperdiçando-a, não saindo de casa, passando noites a ver filmes ou a trocar mensagens em vez de irmos ao teatro ou ao cinema, deitando comida fora e reservando nova online para que nos seja trazida a casa embrulhada em múltiplos papeis de alumínio, caixas de plástico, sacos de papel?Podereis argumentar contra esta minha provocação e dizer-me: - Sim, mas nada do que passa nesse teatro me interessa, nada nesse restaurante me apetece comer, nada nesse país é válido, que não merece ser defendido...E eu engulo em seco e tento aceitar o argumento e respondo-lhe:- Diga-me então o que gostaria de ver? Como gostaria de não ver desperdiçada a arte que tão bem sabemos fazer, os encontros que tão bem nos fazem à alma, os rituais artísticos, religiosos, culturais, tradicionais, familiares?Quando nos vemos à porta deste nosso teatro? Ou noutro lugar qualquer indispensável onde ainda não fomos juntos?____Patrícia Portela, diretora artística do Teatro Viriato
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